O abandono de 15 mil metros quadrados de
borracha destinados a pistas de atletismo simboliza, no interior da Bahia, o
descontrole e a falta de critério que tomaram conta do Ministério do Esporte. A
pasta abraçou uma ideia mirabolante e “pioneira” de um professor de capoeira e
presidente da Fundação de Apoio ao Menor de Feira de Santana (Famfs):
transformar pneus velhos em pistas de atletismo.
O resultado está nos galpões da entidade. O
material está encalhado e abandonado, conforme verificou a reportagem do Estado
na quinta-feira passada.
O professor Antonio Lopes Ribeiro,
presidente da Famfs, é parceiro antigo do Ministério do Esporte. Nos últimos
oito anos, levou R$ 60 milhões da pasta em convênios dos programas Segundo
Tempo e Pintando a Liberdade/Cidadania. Ele é personagem de dois inquéritos no
Ministério Público por irregularidades no uso do dinheiro da pasta.
Com o discurso da sustentabilidade, o
professor se ofereceu para receber dinheiro do Esporte pela produção, nas
dependências de sua entidade, de pistas de atletismo com placas de resíduos de
borracha. O ministério topou e, desde 2007, começou a repassar verba para o
projeto.
Em 2009, surgiu uma novidade: a fundação
recebeu R$ 753 mil para fazer uma pista de atletismo móvel, a “primeira oficial
do mundo”, segundo palavras do professor Lopes e do site do ministério, e mais
outras quatro fixas, todas com pneus velhos. O contrato foi assinado pelo hoje
secretário nacional de Esporte Educacional, Wadson Ribeiro.
O presidente da Famfs explicou a proposta
ao Estado: “Tive uma ideia de botar uma lona embaixo e sair colando as
plaquinhas de borracha. A duração é de 400 anos. Sou meio professor Pardal,
fico inventando as coisas. E a pista tem a aprovação da Confederação Brasileira
de Atletismo (CBAt)”.
Em resposta por escrito enviada ao jornal,
a CBAt desmentiu o presidente da Famfs: “A CBAt desconhece oficialmente a
existência dessa pista dita móvel e, de forma oficial, qualquer pista fabricada
pela fundação. Nunca tivemos qualquer contato da fundação e não emitimos
qualquer documento a respeito”.
O dinheiro do Ministério do Esporte foi
liberado em 2009 para o projeto e o convênio terminou em novembro de 2010. Um
ano depois do fim do contrato, a “pista móvel” não saiu do lugar. Está
abandonada, a céu aberto, em meio a poças de águas, desnivelada, com as placas
soltas, em volta de um campo de futebol da fundação. E duas das pistas fixas
estão encalhadas num galpão da instituição. Ao todo, ambas somam 40 mil placas
de borracha em 10 mil metros quadrados.
Mas o descaso não para por aí. A pista
“móvel” foi prometida pelo Ministério do Esporte para o Centro Olímpico da
Universidade de Brasília (UnB). No dia 26 de outubro, o governo avisou a
fundação baiana que cabe à UnB buscar o material em Feira de Santana, a 1.300
quilômetros de Brasília. O transporte da pista móvel custa R$ 100 mil, segundo
a assessoria da universidade - e, por enquanto, não há dinheiro para ir
buscá-la. “A universidade está tentando angariar fundos”, disse a assessoria.
Ministério
dos Esportes
A assessoria do Ministério
do Esporte disse que o critério técnico para aceitar a proposta das pistas de
atletismo feitas pela Fundação de Apoio ao Menor de Feira de Santana foi “menor
preço”. O ministério “aceitou a proposta devido à inovação em reaproveitar
pneus velhos e refugos de pneus de uma fábrica próxima”, afirma a assessoria. E
prossegue: “A proposta atende, ainda, a demandas de preservação ambiental e de
ampliação da infraestrutura esportiva do País.
O critério técnico
baseia-se em menor preço, incomparável se confrontado com o preço de uma pista
convencional”. Sobre o material encalhado na sede da entidade, o ministério diz
que a responsabilidade de quem pretende recebê-lo em cumprir exigências formais
pode atrasar o processo de liberação das mercadorias.
Além das pistas de atletismo, a Famfs também
produz bolas, camisetas e bonés em programas federais. “A dispensação do
material produzidos pela conveniente é proporcional às demandas aprovadas e
autorizadas. Como o preenchimento de todos os requisitos por parte dos entes
que demandam o material produzido é exigência formal, por vezes forma-se
estoque”.
Inquéritos
A Famfs e seu presidente estão na mira de
dois procuradores da República de Feira de Santana. Hoje, há dois inquéritos
abertos pelo Ministério Público Federal para investigar os desvios de recursos
e outras irregularidades nos convênios com o Ministério do Esporte.
O Estado teve acesso aos autos. Eles estão
baseados em auditorias da Controladoria-Geral da União (CGU) e do Tribunal de
Contas da União (TCU). As análises apontam fraudes nas prestações de contas,
com o uso de “notas fiscais inidôneas”, falta de comprovação de despesas,
execução dos objetivos do contrato, burla nas licitações, entre outras coisas.
O professor Lopes nega as acusações.
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