A circulação do zika vírus no Brasil modificou, a partir de 2015, o cenário das doenças neuroinvasivas por arbovírus, principalmente quanto à síndrome de Guillain-Barré (SGB), pouco conhecida da população. Em 2016, a Organização Mundial de Saúde (OMS) confirmou que o zika vírus era o principal responsável pelo aumento da doença no país.
Na Bahia, o cenário não foi diferente. A partir de dados dos boletins epidemiológicos da Secretaria de Saúde do Estado (Sesab), entre os anos de 2015 e 2018 (até agosto), foram confirmados 143 casos de Guillain-Barré. No entanto, o que mais chama atenção é o aumento dos casos em 2018. As ocorrências entre janeiro e agosto deste ano já superam os números registrados nos 12 meses do ano anterior.
Segundo a Sesab, foram 10 casos confirmados de Guillain-Barré entre janeiro e dezembro de 2017 e, em 2018, até 31 de agosto, os números já alcançaram 42 confirmações. Isso significa um crescimento de 320% em 2018 comparado ao ano anterior. Se for analisada a proporção da SGB em relação às doenças neuroinvasivas por arbovírus, até agosto, 79,2% das confirmações foram para a síndrome.
A neurologista especialista em doenças neuromusculares, Marcela Câmara Machado Costa, explicou que esse aumento ainda não tem uma causa definida. “É preciso esperar o resultado da análise epidemiológica para saber se o aumento é em decorrência do retorno do zika vírus, ou se é um novo vírus, podendo ser, ainda reação a alguma vacina”, revelou.
Desta forma, para a médica, assim como o pico da Guillain Barré em 2015 foi relacionado à chegada do zika vírus no Brasil, o aumento de 2018 pode estar relacionado a este ou a outro critério.
Até fevereiro de 2016, segundo a OMS, a SGB já havia atingido mais de 1.800 brasileiros, sendo que 8% deles morreram e 25% sofreram paralisia dos músculos respiratórios. Ainda segunda a OMS, a mortalidade nos pacientes com SGB é, geralmente, resultante de insuficiência respiratória, pneumonia aspirativa, embolia pulmonar, arritmias cardíacas e sepse hospitalar.
Entenda a doença
De acordo com Marcela Câmara Machado Costa, a síndrome de Guillain-Barré “é uma doença imunológica, causada, em geral, por alguma reação pós vacinal ou pós infecciosa, ou de causa desconhecida, que atinge os nervos periféricos”.
Ainda segundo ela, isso significa que a SGB surge quando “as defesas do organismo são mais intensas do que o necessário para acabar com a infecção e passam a atacar os nervos periféricos do próprio corpo, levando o paciente a sentir sintomas variados”.
Marcela explicou que o principal sintoma é a fraqueza ascendente, ou seja, que atinge primeiro os membros inferiores, as pernas, e vai acometendo as demais partes do corpo. “Pode desencadear também a partir de uma dormência de membros”, afirmou.
A médica destacou que a síndrome de Guillain-Barré impede que os nervos transmitam bem os sinais do cérebro aos músculos, o que leva a formigamentos, fraqueza, dificuldade de andar ou paralisia dos membros e dos músculos da respiração.
Marcela também afirmou que “a fraqueza ascendente pode evoluir em horas ou em dias, podendo ter duração de até duas semanas”. Por isso, segundo ela, é importante que o paciente procure um médico já nos primeiros sintomas, “porque, o quanto antes for dado o diagnóstico, maior a chance de controle da síndrome de Guillain-Barré.
A OMS apontou que a intensidade da paralisia dos membros pode variar desde leve, com fraqueza, o que não leva o paciente a buscar atendimento, até tetraplegia completa com paralisia da musculatura respiratória acessória.
Guillain-Barré e Zika
A partir da incidência do zika vírus no Brasil, o Ministério da Saúde observou que houve um aumento nos casos confirmados de Guillain-Barré no país. Para a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), a relação entre zika e Guillain-Barré é mais evidente do que a entre zika e microcefalia.
Marcela ressaltou que, apesar da relação com o zika, não se pode atribuir todos os casos de Guillain-Barré ao vírus. A síndrome foi descrita, inicialmente, em 1916 por médicos franceses e, segundo a OMS, pode ser desencadeada por qualquer infecção. O que fez os médicos e pesquisadores a relacionarem a SGB ao zika foi a coincidência entre a chegada do vírus no Brasil e aumento dos casos da doença.
Tratamento, cura a sequelas
O tratamento destinado à SGB é aplicado para acelerar o processo de recuperação dos pacientes, diminuindo as complicações associadas à fase aguda (problemas motores) e reduzindo os déficits neurológicos a longo prazo. O tratamento combina terapia de suporte e terapia modificadora da doença (plasmaférese ou alta dose de imunoglobulina). A imunoglobulina humana intravenosa (IgIV) é o tratamento mais recomendado e consiste no método de extrair anticorpos do sangue de doadores, que são injetados na veia do paciente com SGB.
Segundo a OMS, a SGB tem estágios de progressão que variam entre duas a quatro semanas. Cerca de 50% dos pacientes começam a responder ao tratamento a partir da segunda semana. No entanto, apenas 15% deles ficam sem nenhuma sequela após dois anos de diagnóstico e, do total de afetados, 5% a 10% permanecem com dificuldades de locomoção permanentes.
A Organização Mundial de Saúde também afirmou que a Síndrome de Guillain-Barré deve ser tratada com maior rapidez em pacientes com idade acima de 50 anos. Já em crianças, é observada maior rapidez na retomada dos movimentos e, ao invés de paralisia, o sintoma maior é dor nos membros. Na maioria das vezes, a SGB é diagnosticada com exame clínico.
Aposentadoria por invalidez
A neurologista afirmou que “embora a Síndrome de Guillain-Barré seja tratável, pode deixar sequelas nos pacientes, que são observadas apenas após 6 meses de tratamento”. As sequelas podem ser revertidas, mas, podem levar a uma paralisia motora permanente, o que incapacita o indivíduo para o trabalho, segundo Marcela.
Existe um projeto de lei, proposto em 2015 na Câmara dos Deputados, que determina o pagamento de indenização e pensão especial a pessoas com microcefalia ou Síndrome de Guillain-Barré, cabendo ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) a coordenação, aceitação e fiscalização do benefício. A equipe do CORREIO entrou em contato com o órgão, mas até o fechamento da reportagem não foi fornecido o número de beneficiários na Bahia.
Esperança
Um grupo de pesquisadores japoneses da Universidade de Chiba, em Tóquio, desenvolveu um tratamento revolucionário para a cura da Guillain-Barré a partir da aplicação de eculiumab, um medicamento já utilizado no tratamento de outras doenças raras.
Foi constatado que o medicamento agiliza a recuperação dos pacientes com SGB. Na quarta semana de tratamento, 60% dos pacientes já conseguiam caminhar sem ajuda, enquanto o mesmo resultado é observado em 45% dos demais casos da síndrome.
De acordo com o estudo publicado na revista The Lancet, em abril de 2018, após o final do tratamento, 70% dos pacientes com SGB não apresentavam qualquer sinal de incapacidade. O tratamento, no entanto, ainda está em fase de testes e não há previsão para ser liberado ao mercado.
Guillain-Barré na novela
A novela Segundo Sol, que vai ao ar às 21h na Rede Globo/TV Bahia, vai abordar o universo da Síndrome de Guillan-Barré. A história da personagem Rochelle (Giovanna Lancellotti) na trama vai ter uma reviravolta nesta semana. Após inventar que sofreu abusos do tio Roberval (Fabrício Boliveira), a jovem vai parar no hospital e vai ser diagnosticada com a Síndrome de Guillain-Barré. A cena está prevista para ir ao ar nesta sexta-feira (28).
O pai da vilã, Edgar (Caco Ciocler) reage à informação do médico e se desespera ao lado da família. O médico, então, vai explicar sobre a perda de movimentos da paciente e indicar o início de tratamento imediato.
No entanto, o momento mais difícil da trama vai ser quando a blogueira descobre sobre a doença. Rochelle, ao receber a notícia, se desespera e chora, pedindo para ir embora do hospital. A irmã dela, Manuella, vivida por Luisa Arraes, vai tentar acalmá-la, explicando todos os tratamentos e possibilidade de cura da Guillain-Barré.
A atriz Giovanna Lancellotti precisou adaptar, inclusive, o próprio corpo à nova fase da personagem. Ao ler o capítulo da descoberta da doença, a atriz confessou que ficou um pouco amedrontada com o desafio e recebeu a ajuda da mesma preparadora de elenco que auxiliou a também artiz Alinne Moraes na novela Viver a Vida (2009/2010), quando precisou interpretar uma tetraplégica.
Além do emocional, a mudança traz impactos no físico de Giovanna, que precisou perder 7,5 kg, saindo dos 52,5 kg para 45 kg. Ela é acompanhada por nutricionistas e preparadores físicos. Para Giovanna, que interpreta uma das vilãs da novela Segundo Sol, essa pode ser a chance de a personagem ser enxergada pelo público de uma forma diferente.
*Com supervisão do chefe de reportagem Jorge Gauthier.
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