Rio Jacuípe
|
A independência do Brasil na Bahia é um dos principais assuntos abordados nas aulas de História de escolas públicas e particulares do Estado. Os estudantes aprendem sobre o combate para que o Brasil conquistasse autonomia de Portugal, especialmente as batalhas que aconteceram nas cidades baianas para expulsar as tropas portuguesas. Na cidade de Feira de Santana, justamente onde nasceu a principal personagem do 2 de julho, Maria Quitéria, esse processo de aprendizagem ganha um toque especial. Através do roteiro Caminhos de Maria Quitéria, lançado pela prefeitura municipal, crianças e adolescentes estendem o conteúdo para além do ambiente escolar. Os jovens têm conhecido os lugares por onde Maria Quitéria passou e lutou, ampliando os conhecimentos sobre mais sobre história da Bahia.
O passeio é feito em um catamarã e leva pouco mais de três horas de duração. O percurso é formado por locais por onde a heroína teria passado até chegar ao município de Cachoeira, onde se alistou no Exército. O roteiro foi traçado pesquisadores com vasto conhecimento sobre a independência do Brasil na Bahia e a história de Maria Quitéria. O historiador Augusto Vilas Boas, mestre em História da Bahia, é um dos que participam do projeto. A pesquisa dele foi feita com base em documentos que contém relatos do período, do século 18, e que se encontram em Lisboa, capital lusitana, em sua maioria.
De acordo com ele, Maria Quitéria estava noiva quando resolveu lutar. Deixou a família e o pretendente, que eram contrários à ideia, e seguiu para Cachoeira, então capital baiana, para se alistar. Adotou um corte curto nos cabelos, vestiu-se como um homem e fugiu. Montada em um cavalo, durante três dias ela margeou o Rio Jacuípe até chegar a região onde hoje está a cidade deCabaceiras do Paraguaçu, às margens do Rio Paraguaçu, e de lá seguiu por uma trilha até Cachoeira.
Assim, o ponto de partida do passeio é no Ponto Náutico Maria Quitéria, às margens do lago da barragem de Pedra do Cavalo, em Feira de Santana. De catamarã, o estudantes percorrem trechos dos rios Jacuípe e Paraguaçu, até chegar em Cabaceiras.
A navegação entre Feira e Cabaceiras não encanta somente pela possibilidade de percorrer o mesmo caminho de Maria Quitéria, mas também pelas belezas naturais da região. Em meio à vegetação às margens dos rios, aves sobrevoam o local em belos rasantes. A luz do sol incide sobre os espelhos d'água, formando um belo arco-íris. Entre paredões de pedras, correm águas de cor esverdeada. Os alunos tiram fotos a todo instante, para não perder nenhum registro.
“A gente está tendo uma oportunidade única, de aprender um pouco mais da história de Maria Quitéria e de conhecer lugares tão bonitos por onde ela passou. É uma aula diferente, a gente aprende muito mais”, diz a estudante Maria Rosa Costa, 13 anos. “Ela foi um grande exemplo de mulher. Se vestiu de homem para alistar-se no Exército e lutar pela Independência da Bahia”, acrescenta. No percurso, entre outras curiosidades eles aprendem que, ao contrário do que se pensa, testemunhos do passado apontam que Maria Quitéria não tinha comportamento grosseiro ou modos masculinos; ela era feminina e gentil, inclusive o fardamento militar dela incluía um saiote à escocesa em vez de calças. Porém, desde criança sempre demonstrou preferência por atividades praticadas majoritariamente por homens, como caça, montaria e tiro. Essas habilidades garantiram a ela o acesso ao Batalhão dos Periquitos, comandado pelo major José Antônio da Silva Castro, avô de Castro Alves.
Por causa dessa relação com o "poeta dos escravos" os alunos param em Cabaceiras do Paraguaçu e visitam o Parque Histórico Castro Alves, onde constam informações sobre eles, os familiares, a luta pela libertação dos escravos e pela independência do Brasil. De lá, seguem de carro para Cachoeira, onde o movimento separatista tinha grande força. Mas foi em Salvador que Maria Quitéria empreendeu as maiores batalhas; foi promovida a cadete e conquistou direito de portar espada.
Segundo Augusto Vilas Boas, após a luta pela independência Maria Quitéria recebeu muitas homenagens. Entretanto, parte da sociedade a discriminava por causa da sua atuação em uma atividade exercida predominantemente pelos homens. "Além disso, ainda lhe faltava o que mais desejava, que era a reconciliação com o pai. Ele não aceitava a fuga", informa. Ela foi perdoada, casou-se com o antigo noivo, com quem teve uma filha, e fixou residência em Feira de Santana. Quando o pai faleceu ela retornou a Salvador, onde morreu aos 61 anos, cega e no anonimato. "Muitas informações sobre a biografia de Maria Quitéria ainda não foram comprovadas, porém, já há estudos que constatam a a veracidade de informações passadas entre gerações, e que constam em antigos documentos", destaca Augusto.
"A independência da Bahia é um dos episódios mais intensos de luta contra a dominação portuguesa no Brasil, e tem como diferencial a participação dos pobres, dos trabalhadores, já que na maior parte dos outros movimentos a atuação era da elite. Saber que tudo isso aconteceu com uma feirense, e tão perto de nós, é motivo de muito orgulho e isso precisa ser transmitido aos nossos jovens", afirma a professora de História e especialista em Cultura da Bahia, Caroline Luz.
No Tiro de Guerra de Cachoeira, um dos últimos pontos de visitação do roteiro, está uma justa homenagem à Maria Quitéria: uma grande iconografia dela. A imagem da cadete está presente em todos os quartéis brasileiros, por determinação ministerial. Em 1996 ela foi reconhecida como Patrona do Quadro Complementar dos Oficiais do Exército Brasileiro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário