Ganhar o título de rei não é para qualquer um, e Liberato Veríssimo dos Santos tornou-se o “Rei da Pintura” pela qualidade de seu trabalho como pintor de veículos automotores, numa época em que mexer em tintas para encontrar a tonalidade exata era um verdadeiro quebra-cabeça.
Mestre Liba — Liberato Veríssimo dos Santos, o "Rei da Pintura" — já não está aqui fisicamente, mas faz parte daqueles que, mesmo tendo partido, permanecem presentes pelo significado de sua obra e o alcance do seu trabalho. Nunca foi a uma universidade, mas o mestrado independe da presença na sala de aula e da teoria. Quantos e quantos já se tornaram mestres exercendo uma atividade com tamanha dedicação e qualidade, que essa referência veio do reconhecimento coletivo.
E foi assim com o filho de João Veríssimo Santos e dona Damiana Santos Souza, moradores do distrito de Ipuaçu, na época com o topônimo de Gameleira. Nascido a 23 de março de 1918, Liberato deixou o distrito, que dista 14 km da cidade Princesa, aos 10 anos, disposto a trabalhar no meio urbano, pois na zona rural não haveria mais o que fazer além de pegar na enxada todo dia.
Começou como entregador de leite, serviço que exigia pontualidade e dedicação para deixar os fregueses satisfeitos. O leite "in natura" (vindo diretamente da fazenda) tinha que ser entregue bem cedo, toda manhã, de casa em casa, para o desjejum das famílias. Inteligente e disciplinado, ele cumpria rigorosamente sua obrigação. Logo estava em uma tenda como auxiliar de sapateiro, por entender que precisava de uma profissão.
O comentário animador o “empurrou” para a batuta de Antônio Sombrinha, experiente pintor que lhe ensinou a arte sem muita demora nem reclamações. O interesse do aluno motiva o professor, e foi assim a relação entre os dois. Mas a Oficina Socorro era maior e maiores poderiam ser suas chances. E foram. Um dos maiores entroncamentos rodoviários do país, Feira de Santana tornava-se um polo automotivo essencial no percurso Norte/Sul e vice-versa, e bons mecânicos e pintores eram procurados como pedras preciosas.
Já com o nome respeitado até fora do estado, em 1954 ele resolveu que era tempo de ter seu próprio local de trabalho, onde poderia exercer seu ofício com absoluto domínio e formar novos profissionais, já que o mercado pedia. Assim, instalou a Oficina Liberato, na Rua Castro Alves, hoje praticamente no centro da cidade, com boa influência da existência da oficina, que era frequentada por médicos, advogados, comerciantes e fazendeiros que queriam seus carros com a caprichosa pintura, que se tornou a marca convencional da Oficina Liberato.
De Recife, Maceió, Natal e outras cidades nordestinas, e até do Rio de Janeiro, a oficina recebia carros para pintar e o nome era um só: “Mestre Liba” ou “O Rei da Pintura”, porque na época pintar um automóvel ou retocá-lo, sem deixar alguma diferença — por menos significativa que fosse — era muito difícil. O segredo era saber misturar tintas, cores, o que nem todos faziam com precisão, e ter a mão firme, principalmente no momento de fazer os frisos, que ele executava com um pincel fino, com resultado igual aos originais de fábrica.
Vistoso, de boa altura, moreno, Liberato Veríssimo era uma agradável presença onde quer que chegasse, mas dispunha de poucos momentos livres, os quais dedicava a uma boa leitura e à música, não apenas ouvindo os bons cantores da época, como Nelson Gonçalves, Carlos Galhardo, Silvio Caldas, Francisco Alves e outros, mas também integrando a Filarmônica Euterpe Feirense, tocando bombo, ou em reuniões com amigos dedilhando com qualidade o violão.
Na oficina, gostava de ver o trabalho fluindo, porque "compromisso é compromisso", como habitualmente dizia, reiterando sempre que cada serviço tinha que ser entregue no dia aprazado e não admitia deixar um cliente insatisfeito. Procurando ensinar aos que o rodeavam, formou bons profissionais na pintura, como Raimundo Cachoeira, Raimundo Santos "Cabeleira" e Raimundo Almeida, que depois se formou em Direito. Curiosamente, um trio de Raimundos.
Era exigente no trabalho porque buscava a perfeição, o que o fez o mais laureado profissional desse segmento na Bahia. Remanescente da antiga equipe da oficina e já aposentado, Agenor mareja os olhos: “Liberato era como um pai. Era exigente porque queria um serviço perfeito, mas ensinava e mostrava como deveria ser feito. Isso não vou esquecer nunca”.
Em 2014, depois de 60 anos de intensa atividade, decidiu fechar a oficina, acertando corretamente com os funcionários e pagando o que eles tinham direito. Com aparência fechada, na verdade, gostava de uma boa conversa e tinha memória prodigiosa. Foi casado com Albertina Santos — dona Nenzinha — que lhe deu oito filhos: Helena, Alberto, Antônio, Célia, Eliana, José Carlos, Francisco José e Silvio. No dia 4 de setembro de 2016, aos 98 anos de idade, Liberato Veríssimo dos Santos encerrou sua existência física, deixando para a posteridade uma bela história de vida.
Por Zadir Marques Porto
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